No dia 13 de maio de 2025, a abolição da escravidão no Brasil completará 137
anos. Em comemoração a esse marco histórico e simbólico de nosso país, o IHGAM e o
IHGAM-Mirim publicam, nesta edição do Aconteceu Maricá, um artigo sobre as
Alforrias Batismais – uma prática pouco conhecida da história local, pela qual crianças
nascidas de mulheres escravizadas recebiam a liberdade durante o batismo.
O estudo tem como base o Livro de Batismos Mistos da Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Amparo, referente ao período de 1835 a 1849. Ao todo, o volume documenta
cerca de 2.590 batismos, dos quais apenas 60 correspondem a crianças nascidas em
condição de cativeiro. Desses, 58 incluem a concessão de alforria no próprio rito
religioso. Todos os registros dos recém-libertos foram assinados pelo vigário José
Faustino Gomes de Santana, pároco responsável pela igreja local na época.
Esses casos revelam que o batismo, além de seu valor religioso e social, também
podia funcionar como um instrumento jurídico de libertação. As alforrias batismais
integravam um conjunto de estratégias utilizadas por senhores e escravos para legitimar
a liberdade, assim com as cartas de alforria, testamentos e outros documentos, refletindo
os diferentes interesses em jogo.
Como os assentos de batismo tinham um valor equivalente ao de uma escritura
pública, as alforrias neles registradas não precisavam ser reconhecidas em cartório. Esses
mesmos registros podiam servir como prova da posse do escravo por parte do senhor,
bem como formalizar doções e transferências de propriedade, sem a necessidade de
documentação notarial. O exemplo a seguir, extraído do livro de batismo local, pode
ajudar a ilustrar esse uso.

Dinâmicas das alforrias Batismais em Maricá
Como mencionado, entre 1835 e 1849, foram celebradas 58 alforrias na paróquia
de Maricá. Esse número está em conformidade com o padrão observado em outras
localidades fluminenses, como São Gonçalo e Macaé. Quanto ao perfil dessas crianças,
nota-se um equilíbrio entre os sexos: foram alforriadas 32 meninas e 26 meninos. Todos
foram identificados como filhos naturais. Em cinco casos, a liberdade foi concedida
mediante pagamento ao proprietário. Desses, dois foram pagos pelos próprios pais do
batizando, um pela mãe, uma pelo padrinho e outro por um ex-senhor.
A tabela abaixo mostra os tipos de alforrias, conforme o gênero do batizado.
Tipo de Alforria Menina Menino Total %
Gratuitas 29 24 53 91%
Pagas 3 2 5 9%
Fonte: Livro de Batismo Misto (livres/libertos e escravos) da paróquia de Maricá (1835-1949)
A ampla maioria das alforrias foi gratuita: 91% contra 9% pagas. Esse dado revela
que os motivos para as concessões iam muito além dos valores financeiros. Entre os
senhores e senhoras que alforriaram, 43 justificaram a concessão “por sua vontade”, dez
mencionaram “os bons serviços prestados pela mãe do batizando” e cinco, por terem
“recebido determinada quantia”.
Os registros de batismo também permitem identificar o perfil das mães cativas:
32 eram brasileiras e 26 africanas. Entre elas, Rosa, a escrava africana foi a mulher com
a maior quantidade de filhos libertos na pia batismal, a saber: Candido, em 1836; Maria,
em 1838; Pedro em 1840; Ignácia, em 1840; e Francisca, em 1843. Em todos os casos,
ela escolheu padrinho livres – uma estratégia visando algum tipo de ganho, como proteção
e possibilidades de intercessão junto ao senhor no processo de alforria.
Escolher padrinhos bem situados na hierarquia local era fundamental nesse
contexto. Em Maricá, no período estudado, todas as crianças forras tiveram padrinhos
livres. Nenhum senhor ou senhora foi escolhido para apadrinhar, mas em alguns casos,
parentes seus exerceram esse papel. Em uma das situações, o padrinho foi responsável
direto pela compra da alforria: Felipe José Miguel, em 17 de agosto de 1847, pagou a
quantia de 45 mil réis a Geraldo Franco Siqueira pela liberdade de seu afilhado, Manoel.
Das 58 crianças alforriadas analisadas, apenas duas tiveram o nome do pai
registrado na cerimônia de batismo. Isso indica que, em 56 casos, apenas a mãe foi
mencionada, em conformidade com as normas eclesiásticas da época, que restringiam o
registro do nome do pai aos filhos naturais. As duas exceções identificadas possivelmente
se explicam pelo envolvimento direto dos pais na compra da liberdade dos filhos. Luiz
José Reis (livre) e Florinda (parda, escrava), pais de Henriqueta, pagaram 60 mil réis pela
alforria da filha, em 1844. Já João Antônio da Silva (livre) e Ricarda (parda, escrava),
pais de Guilhermino, desembolsaram a quantia de 64 mil reis, em 1847.
Com isso, podemos encerrar afirmando que a primeira chance de alforria para
aqueles nascidos no cativeiro se dava pelo batismo. No entanto, os estudos sobre esse
tema são poucos, merecendo maior atenção e aprofundamento.

Autor: Paulo César Pereira de Oliveira – Graduado em História pela UFF, Professor
de História (Araruama) e Membro do IHGAM.
Referência Bibliográfica:
FREIRE, Jonis. Escravidão e Família escrava na Zona da Mata Mineira Oitocentista.
Campinas, 2009. f.359. Tese (Doutorado em História), Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade de Campinas, Campinas, 2009.
OLIVEIRA, Paulo César P. Família, Compadrio e Alforrias na Pia Batismal. Vila de Santa
Maria de Maricá (RJ), 1835-1849. Monografia (Graduação em História) – Instituto de
História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017